A Procuradoria-Geral de Angola comunicou ao Ministério Público português que o ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente pode responder perante a justiça do seu país cinco anos após o fim de mandato, ou seja em 2022. Se, entretanto, não vier a ocupar um outro lugar que lhe continue a dar imunidade.
Na resposta à carta rogatória enviada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de Portugal, o Ministério Público angolano admite, porém, que as autoridades portuguesas podem vir a recuperar o processo de Manuel Vicente, no âmbito do caso “Operação Fizz”, que começou a ser julgado na segunda-feira em Lisboa.
No documento, datado de 11 de Janeiro, a PGR angolana refere que Manuel Vicente “beneficia, ainda hoje, do regime de imunidades materiais e processuais”, determinado na Constituição angolana, que prevê que “pelos crimes estranhos ao exercício das suas funções, o Presidente (e o vice-Presidente) responde perante o Tribunal Supremo, cinco anos depois de terminado o seu mandato”.
Manuel Vicente terminou o mandato em Setembro de 2017, após as eleições realizadas no mês anterior em Angola, nas quais foi eleito deputado.
“Tal significa que, parecendo estar em causa no processo respeitante ao presente pedido de auxílio e cooperação alegados factos estranhos ao exercício das funções de vice-Presidente, o mesmo só responde perante a Justiça da República de Angola, isto é, perante o Tribunal Supremo após cinco anos contados desde o ‘terminus’ do mandato”, destaca o documento.
O Ministério Público angolano lembra os acordos bilaterais com Portugal e a Convenção de Auxílio judiciário em Matéria Penal dos Estados-Membros da CPLP para garantir que Angola “tem todas as condições de garantir a boa administração da Justiça, caso o processo em causa lhe seja transmitido ou delegado pelo Estado português”, apesar da lei da amnistia em vigor naquele país.
A resposta do Ministério Público angolano ressalva, porém, que a amnistia só poderia aplicar-se a Vicente “perante um caso concreto e no âmbito da sua completa e adequada tramitação”. Trata-se de uma, mais uma, balela do regime do MPLA. Isto porque, mesmo sem conhecimento (admitamos que não sabe) do caso concreto e da sua “completa e adequada tramitação”, sabe qual a moldura penal máxima aplicável a um caso destes. Tal como sabe que, na eventualidade de uma sentença condenatória na sua expressão máxima, ela se enquadrará sempre nos parâmetros da amnistia.
A PGR de Angola admite, no entanto, que, “no quadro do seu ordenamento jurídico e respeitando o direito internacional”, a transmissão do processo para Luanda “não impede que as autoridades portuguesas possam porventura, e verificados os pressupostos legais, vir a recuperar o direito de proceder penalmente”, ou seja, que “as autoridades portuguesas têm ainda essa garantia legalmente prevista”. Garantia que, em termos práticos, poderá ser usada só a apenas quando o MPLA deixar de estar no Poder (onde está há quase 43 anos), ou seja, daqui a 20 ou 30 anos.
Na resposta ao pedido da PGR portuguesa, o Ministério Público angolano justifica que não podia notificar Manuel Vicente, e sujeitá-lo a uma medida de coacção de termo de identidade e residência, com base em três motivos.
Além do argumento constitucional sobre o prazo e local para acusar Manuel Vicente, a PGR angolana aponta que o processo e respectiva instrução e acusação no âmbito da “Operação Fizz” em Portugal aconteceram em simultâneo quando o político estava em funções, “não obstante o regime de imunidade absoluta de jurisdição do vice-Presidente de Angola e que assim coloca em causa princípios fundamentais dos direitos internacional, constitucional e processual”.
Por fim, o Ministério Público observa que a convenção da CPLP prevê que o pedido de auxílio é cumprido em conformidade com o direito do Estado requerido, neste caso de Angola.
“A verdade é que o solicitado por V. Exas. na carta rogatória a que ora se responde, não só ofende princípios gerais que temos por fundamentais dos direitos internacional, constitucional e processual, mas, também, o estatuído na Constituição da República de Angola”.
Após a separação da matéria criminal que envolve o ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente, à data dos factos presidente da Sonangol, o processo “Operação Fizz”, que teve a sua primeira sessão de julgamento na segunda-feira, tem como arguidos o ex-procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) Orlando Figueira, o empresário Armindo Pires e o advogado Paulo Blanco.
O processo tem por base acusações a Manuel Vicente de ter corrompido Orlando Figueira para que o então procurador arquivasse dois inquéritos, um deles o caso Portmill, relacionado com a aquisição de um imóvel de luxo no Estoril.
As autoridades angolanas informaram que não foi possível notificar Manuel Vicente das acusações de corrupção activa em co-autoria com os arguidos Paulo Blanco e Armindo Pires, branqueamento de capitais em co-autoria com Paulo Blanco, Armindo Pires e Orlando Figueira e de falsificação de documento com os mesmos arguidos.
O ex-procurador do DCIAP está pronunciado por corrupção passiva, branqueamento de capitais, violação de segredo de justiça e falsificação de documentos, o advogado Paulo Blanco por corrupção activa em co-autoria, branqueamento também em co-autoria, violação de segredo de justiça e falsificação de documento em co-autoria.
Recorde-se, entretanto, que a Constituição de Angola também diz no nº 1 do seu artigo 2º (Estado Democrático de Direito): “A República de Angola é um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa”.
E no nº 2: “A República de Angola promove e defende os direitos e liberdades fundamentais do Homem, quer como indivíduo quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas singulares e colectivas”.
Dizer diz… mas só se aplica aos poucos que têm milhões e nunca aos milhões que têm pouco ou nada.
Folha 8 com Lusa